Para os povos originários da Amazônia existe uma relação indissociável entre a criação do mundo e da humanidade. Tal relação fundamenta toda explicação dos Povos Indígenas sobre a terra, a floresta, os recursos da natureza, linguagem, crenças, espíritos, criador e criaturas terrestres. Esta relação é ressaltada na visão de mundo de muitos dos Povos Índígenas da Amazônia.
Por exemplo, o povo Baniwa, pertencente à família linguística Aruak, se autodeclara “Somos Amazônia”. Os Paiter Suruí de Rondônia se autodenominam gente de verdade ou povo verdadeiro. Os indígenas da Kichwa Amazônica (Amazônia Equatoriana) tratam a floresta como “Madre Selva”, “Madre Terra” ou “Madre Natureza”, sendo uma fonte de conhecimento e ensinamento para a vida. Os Mundurukus, da região do Alto Tapajós, afirmam que tudo na floresta é sagrado e tem espírito. A cultura Indígena é, portanto, intimamente ligada com a floresta e rios.
Por esta intrínseca interação com a floresta, quando há destruição, a floresta sente dor e os indígenas também. Há múltiplas estratégias de ocupação desordenada da floresta e dos territórios Indígenas (TI). O garimpo de ouro tornou-se uma ameaça aos indígenas e outras populações vulneráveis, contaminando a floresta, os rios e peixes, e reduzindo a caça. Como efeito, o povo tem ficado doente.
As hidrelétricas deslocam suas populações e alteram as condições básicas de seu sustento, como disponibilidade de peixes. Para muitos, a ocupação desordenada da floresta e das TI resultaram em vidas perdidas. Assassinato, escravidão e genocídios estão no modelo atual de desenvolvimento capitalista, o qual tem resultado em processos violentos contra os Indígenas. De fato, estudos do Conselho Indigenista Missionário mostraram que a cada dois dias um indígena morre por proteger a floresta.
Os Indígenas brasileiros viveram entre 2019 e 2022 um período de desrespeito, tempo ápice de destruição física e espiritual desde 1988. Atividades, tais como desmatamento, incêndios florestais, extrativismo insustentável de recursos minerais e biológicos, monocultura, extração de madeira estão desconectando os Indígenas da floresta. O desrespeito aos Povos Indígenas ultrapassou o limite territorial da Amazônia em 08 de janeiro de 2023. O ataque violento aos prédios públicos em Brasília representou uma séria ameaça aos direitos Indígenas e à democracia de modo geral.
Fim do mundo-floresta
A destruição ou ‘fim do mundo-florestas’, segundo a profecia Baniwa, ameaça acabar com os Povos Indígenas e o mundo inteiro. O aquecimento global e a crise climática são provas de que os caminhos de desenvolvimento para a Amazônia têm sido injustos e destrutivos. Isto tem gerado fuga das comunidades Indígenas, desaparecimento de línguas e perda de territórios.
O resultado tem sido uma perda de conhecimento inestimável, conduzindo a humanidade para um vazio de soluções para problemas que atingem a todos.
A demarcação e homologação das Terras Indígenas (TI) têm sido fundamental para evitar a destruição dos lugares sagrados. Para os Paiter Suruí, as ameaças a seu povo e a seu território surgiram a partir de 1969 após o primeiro contato com o não-indígena. Foi necessário integrar e aprender a cultura ocidental para evitar uma extinção causada pelos colonizadores.
Eles conseguiram a demarcação do TI Sete de Setembro em 1976, com o reconhecimento de posse chegado sete anos mais tarde em 1983. Este TI de 248 mil hectares, embora represente um reconhecimento dos direitos Indígenas, não foi necessariamente suficiente para garantir todos os meios de subsistência do povo Paiter Suruí.
Por exemplo, a taboca (Bambusa spp.) é uma planta essencial para a produção de arco e flecha. As áreas onde a taboca ocorre naturalmente hoje estão dentro de propriedades privadas, em fazendas sendo necessário aos Indígenas solicitar autorização de fazendeiros para extrair a taboca. Isto mostra como os povos Indígenas estão perdendo acesso a lugares sagrados onde espécies de plantas essenciais aos seus meios de vida ocorrem de forma natural.
Há grandes desafios na superação destes problemas, entre eles, a elaboração de planos de manejo para os territórios Indígenas e estratégias para proteção de tudo que descrevemos anteriormente. Os Povos Indígenas buscam alternativas para manter sua cultura. Por exemplo, o diagnóstico etnoambiental participativo da TI Sete de Setembro, realizado no ano de 2000, registrou características históricas, ritualísticas e medicinais dos Indígenas ligadas com a floresta.
Atividades como reflorestamento, turismo, artesanato, música, história e pintura corporal foram inseridas nesse planejamento. Embora existam pensamentos divergentes na TI, a gestão destas atividades para fins de conservação da floresta e da cultura é valorizada por estes grupos.
Leia mais em: https://ciclovivo.com.br/planeta/desenvolvimento/somos-amazonia-saberes-e-desafios-dos-povos-da-floresta/