Um ecossistema é formado por uma delicada teia de atores – bichos, plantas, fungos – que desempenham funções que a ciência aos poucos tenta decifrar. Uma pesquisa recente debruçou-se sobre o papel das harpias, a maior ave de rapina do Brasil e maior águia do mundo, na distribuição dos nutrientes no solo e nas árvores da Floresta Amazônica. Predador de topo de cadeia, este gavião, que mede dois metros de uma ponta a outra da asa, deposita ao redor de seus ninhos cerca de 100 quilos de restos de presas ao longo de um ano. A concentração das carcaças, assim como dos excrementos, têm um efeito surpreendente: enriquecem o dossel das árvores ao mesmo tempo em que empobrecem o solo.
A análise do efeito das harpias (Harpia harpyja) sobre a Floresta Amazônica foi detalhada em artigo publicado no dia 17 de março, na revista científica Scientific Reports.
O estudo, realizado no norte de Mato Grosso, coletou amostras de solo e vegetação em 20 ninhos de harpia, sendo 10 ativos e dez inativos, e os comparou com solo e vegetação de árvores das mesmas espécies sem ninho. A maioria das árvores (16) eram castanheiras (Bertholletia excelsa), que podem chegar a 50 metros de altura.
As harpias costumam nidificar nas mesmas árvores por décadas, escolhendo sempre exemplares que despontam no dossel da floresta. Seu ciclo reprodutivo é o mais longo entre as aves: de 30 a 36 meses, período no qual a mãe fica responsável em trazer comida para seu filhote. O cardápio inclui macacos e preguiças e soma 102 quilos de carcaça de presas por ano, em um ninho em atividade.
“Quando eu analisei as amostras do solo, topei com o efeito negativo. Aí eu fui pra campo de novo e repeti as amostragens, dessa vez no dossel, e me dei conta de que o efeito [positivo] estava no dossel”, explica Miranda, que é autor principal do artigo publicado na Scientific Reports. Sua análise também amostrou a presença de cálcio, magnésio e alumínio, este último considerado tóxico para vegetação.
Nas folhas das árvores perto dos ninhos ativos houve um aumento de 87% de nitrogênio, 142% de fósforo e 79% de potássio. No sub-bosque (vegetação menor que fica abaixo do dossel), houve variações menores, com maior impacto na concentração de potássio, que cresceu 16% ao redor de ninhos ativos de harpia.
Já nos solos ao redor dos ninhos, houve a redução na quantidade de fósforo (-50%), cálcio (-32%), magnésio (-21%) e alumínio (-50%), em comparação com as árvores sem ninho.
Na própria árvore em que nidificam, a presença prolongada das harpias também resulta em uma folhagem mais rica em nutrientes, com 80% mais nitrogênio, 25% mais fósforo e 47% mais potássio.
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