Por Náferson Cruz | Amazônia 360º
Nem bem o sol se põe, e um grupo de exímias artesãs indígenas baniwa da aldeia Beija Flor, no município de Rio Preto da Eva, no Amazonas, já se prepara para mais um dia na lida no coração da floresta amazônica. A tarefa não é nada fácil. É preciso coragem, artimanha e perseverança, uma vez que elas adentram em áreas semi-alagadiças, situadas às margens dos igarapés e lagos, para extrair centenas de ‘varas’ finas e longas, uma espécie da cana de arumã, que mais tarde serão tingidas e delineadas com grafismo indígena. Posteriormente, em seu estágio final, tomam variadas formas, tais como: peneiras, jarros, urutus e balaios.

Durante a colheita e seleção das hastes, as mulheres “walimanai” (que, na língua baniwa, significa “aqueles que foram preparados pelos antepassados para enfrentar o mundo”), além de ficarem por horas com as penas dentro d’água, ainda têm que lidar com os perigos da selva: jacarés, cobras e tantas outras adversidades da floresta. O trabalho consiste em saber dar golpes precisos nos caules. Em seguida, as hastes selecionadas são amarradas em feixes de aproximadamente 20 quilos, e colocadas sobre os ombros.

A árdua tarefa continua nos dias que se seguem, pois o processo de colheita não admite interrupções. Ou seja: faça sol forte, sol amazônico ou chuva, há mulheres na lida. O descanso chega quando a noite está prestes a cair, e é neste momento que elas tomam ciência da produção alcançada ao longo do dia, momento em que iniciam o processo de raspagem das varas, isto é, retirada da casca verde. Logo depois, são colocadas para a secagem e, posteriormente, recebem o tingimento com tintas feitas a partir de resíduos da própria natureza e fixado com o sumo de cumati (árvore nativa da Amazônia).



Após o tingimento, feito de forma manual, o arumã é desfibrado em tiras finas, para o desenvolvimento do trançado, formando padrões do grafismo indígena dos mais diversos, chamados de sílabas gráficas. A arte de tecer a fibras de arumã está presente na história de Marlene Baniwa, 38 anos, desde quando criança. Ela conta que aprendeu o ofício com seu pai, mas, na época, o material produzido era utilizado no uso doméstico da família.
Foi no início de sua vida adulta, por volta de 15 anos atrás, que Marlene e suas irmãs Patrícia de Souza e Seane Silva, 33 e 29 anos, respectivamente, se uniram a um grupo de mulheres da aldeia Beija Flor, um total de sete famílias, para iniciar uma espécie de cooperativa. Desde então, passaram a produzir em escala objetos provenientes da fibra de arumã. A confecção de cestaria isso permitiu que contribuísse para a renda familiar de Marlene, ajudando na educação dos filhos, Maiara e Mirla Tomás, 14 e 16 anos.

Igualmente habilidosas, Patrícia de Souza e Seane Silva também fazem da cestaria a principal atividade econômica para a subsistência. Patrícia ressalta que, para atuar no ramo, a força de vontade, a perseverança e o amor àquilo que faz são imprescindíveis. Segundo ela, a confecção das peças de fibra feita pelas famílias indígenas já abocanharam uma parte dos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Pernambuco e até o país vizinho, o Paraguai.
“É uma tarefa bastante árdua, mas acima de tudo é uma atividade prazerosa pois contamos com o apoio dos familiares e da comunidade”, destaca a indígena Patrícia de Souza, do povo baniwa.
– PRESERVANDO A TRADIÇÃO ANCESTRAL –
Patrícia vê com muita esperança o futuro da produção da cestaria do seu povo baniwa. “Há 15 anos, iniciamos, juntamente com as demais famílias, um movimento que só tende a crescer, uma prática artística que estava se perdendo, mas, agora, está se recuperando com artesãos que trabalham, colhem e tecem, uma atividade solidária que estamos fortalecendo e passando para as próximas gerações, pois, dessa forma, não perdermos nossa cultura”, celebra.
Atualmente, a matriarca da família, Maurícia Santos, 74 anos, prossegue compartilhando o seu saber e traz luz a conhecimentos ancestrais como o uso de raízes, caules, cascão ou cascas de plantas para o tingimento natural das talas de arumã, revalorizando uma prática ancestral. “É um trabalho gratificante e feito com amor e dedicação, é esse conceito de vivência que aprendi com meus ancestrais e que hoje transmitimos para filhos e netos”, comentou a indígena.


A pequena Jasmin Rodrigues, com apenas 7 anos de idade, já desenvolve habilidades específicas quando o assunto é dar forma às finas tiras de arumã. Quando não está na escola, nas horas vagas, a imaginação de Jasmin voa longe com a técnica herdada dos pais e dos avós. Sentada no chão, na entrada da casa onde mora com a família, a pequena indígena se debruça nos mais incríveis desenhos e grafismo de sua cultura. Disse apenas que elabora os desenhos “com muita alegria”.

Na ocasião, Moisés Silva, 63 anos, avó de Jasmin, lembrou que a arte da cestaria vem do conhecimento de seus ancestrais originários de São Gabriel da Cachoeira (AM), localizada no Alto Rio Negro, município com 90% da população composta por indígenas e descendentes.
“Deixamos São Gabriel da Cachoeira, nossa cidade de origem, mas continuamos com nossas tradições, passando de geração a geração”, completou Moisés.
Quanto às suas filhas e netas, exímias artesãs, podemos chama-las de walimanai, que significa na língua baniwa “os outros novos que vão nascer” e também pode ser interpretado segundo a mitologia indígena: a forma de “como os antepassados criaram e prepararam o mundo para os seus descendentes”, as walimanai de hoje estão presentes, mantendo a tradição ancestral e fazendo história.
– EMPREENDEDORISMO E FONTE DE RENDA –
Devido à sua riqueza de cores, formas e usos, o artesanato indígena é uma das mais conhecidas expressões da cultura tradicional e há muito deixou os limites das terras indígenas para conquistar espaço de casas, empresas e museus, tornando-se uma das fontes de renda das comunidades, a exemplo da aldeia Beija Flor, localizada no município de Rio Preto da Eva, a 57 km de Manaus.
Por lá convivem, além do povo Baniwa, outras 11 diferentes etnias (baré, arara, munduruku, tuyuka, dessana, aborari, tukano, saterê-mawé, marúbo, mura e mayoruna), um total de 670 pessoas, que atuam na produção artesanal, agrícola e com o etnoturismo. Mas foi com a confecção das cestarias que o local passou a receber com frequência a visita de estudantes e turistas.


As peças confeccionadas com mais de 20 desenhos do grafismo indígena vão de R$ 20 a R$ 350, cada objeto. A produção é feita em escala, em média, cada cliente encomenda, aproximadamente, o montante de 120 a 200 peças, sendo a maioria para outros estados.

A conquista de novos mercados sobreveio por meio de consultorias com empresas e institutos ligados ao aprimoramento de demanda e renda. Na oportunidade, os indígenas até uma coleção desenvolvida em co autoria com o renomado designer Sérgio Matos, conhecido internacionalmente por explorar novas culturas.