Anna Júlia Lopes*
Novo boletim trimestral do Observatório de Florestas Públicas, que foi lançado no Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), mostra que 32,7 milhões de hectares de FPNDs (Florestas Públicas Não Destinadas) correm risco de grilagem porque estão sobrepostos por registros no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Em entrevista à Um Grau e Meio, Rebecca Lima, pesquisadora do Ipam, explica quais os possíveis impactos da presença da grilagem na região e como isso pode resultar em um potencial aumento do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa.
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Doutora em geografia pela Universidade Estadual do Kansas, nos Estados Unidos, e coordenadora de iniciativa do IPAM que visa contribuir com a destinação e com o uso das FPNDs de forma sustentável para a conservação da Amazônia, Lima destaca como a destinação oficial das florestas públicas pode ser a chave para frear a ação de grileiros na região.
O novo boletim do Observatório de Florestas Públicas mostra que 10,2 milhões de hectares apresentam alto risco de grilagem por estarem registrados no sistema Sicar. O que isso significa, na prática?
São CARs de grande porte sobrepostos em áreas públicas, o que indica que, muitas vezes, isso pode estar ligado a grupos organizados, que já tem um financiamento, que tem muito dinheiro.
Posso fazer uma comparação, por exemplo, com o desmatamento. Para desmatar uma área muito grande, custa muito caro, ou seja, isso provavelmente está ligado a grandes especuladores. Pessoas que estão “de olho” em uma área e que, futuramente ou com brechas na legislação, tomam posse.
É possível dizer que há uma conexão entre grilagem e mercado?
Sim. Existe todo um indício de que, a partir da grilagem e da abertura da terra, aquela terra vira pecuária e da pecuária vira soja. Essa dinâmica ocorreu no Arco do Desmatamento, no Matopiba, e tem se reproduzido ao longo do tempo.
O aumento do desmatamento em abril de 2025 antecede o período da seca. Há um padrão de grilagem e desmatamento que se repete nas FPNDs?
Quando se desmata uma área, ela perde a umidade do solo e isso aumenta a temperatura local, portanto, essa área fica mais vulnerável ao fogo. Agora, nem sempre uma área com CAR sobreposto vai estar desmatada; é algo que pode ocorrer futuramente.
Existem formas de barrar o uso indevido do CAR?
Sim, se a validação do CAR for acompanhada de forma mais eficiente. Fica na mão dos órgãos municipais e estaduais, e demora muito tempo para validar. Até validar, o cara já grilou ou já desmatou a terra.
Além da melhoria no processo de validação do CAR, existem outras medidas que podem ser tomadas pelos governos federal e estaduais para reduzir os índices de grilagem?
A destinação tem que ser feita. O processo de destinação é muito longo e toma muito tempo, então a gente precisa acelerar essas etapas até que a área se regularize e tenha um título, seja para terra indígena, quilombola, unidade de conservação ou de uso sustentável, por exemplo. É um passo muito importante.
Com os dados do boletim, qual seria o impacto de curto prazo se os 10,2 milhões de hectares com alto risco de grilagem fossem protegidos?
Há um impacto positivo, social e socioeconômico, na sociobiodiversidade, com a destinação focada no uso sustentável e para as comunidades tradicionais.
Avançar na destinação das FPNDs antes da COP30 pode ser uma oportunidade para o Brasil. Qual o peso dessa pauta no cenário internacional?
Impacta tanto as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) adotadas pelo Brasil quanto o Acordo de Paris. Há um impacto tanto local e regional, mas também global na questão da emissão de dióxido de carbono.
Na última semana, o Senado aprovou um PL que afrouxa as regras do licenciamento ambiental. Na sua avaliação, esse afrouxamento pode afetar as Florestas Públicas Não Destinadas?
Sim. Com infraestrutura próxima, essas áreas podem ficar mais vulneráveis à grilagem e à invasão.
Para acessar o boletim na íntegra, acompanhe os canais @amazoniadepe ou cadastre-se na plataforma do Observatório das Florestas Públicas.
*Jornalista do IPAM, [email protected]