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Consumido por povos indígenas há mais de 9 mil anos e esquecido nas mesas dos amazonenses, tubérculo tradicional possui alto potencial nutricional e é capaz de ser plantado em condições climáticas extremas

Ariá é um tubérculo nutritivo e versátil para culinária, podendo ser consumido assado, em mingaus, cozido, entre outras opções (Foto: Michael Dantas / Divulgação)

Endêmico das Américas do Sul e Central, o ariá (Goeppertia allouia (Aubl.) Borchs. & S. Suárez), é um tubérculo que lembra uma batata, tem um gosto que remete ao milho e a crocância semelhante à da cenoura. Consumido por povos amazônicos há mais de 9 mil anos, seu elevado valor nutricional é indiscutível, afinal, é um dos alimentos que pode fornecer os nove aminoácidos essenciais que o corpo humano é incapaz de sintetizar. Mas, nas últimas décadas, esse produto amazônico perdeu espaço para culturas comerciais e produtos industrializados e se tornou um produto raro nas roças, feiras e mesas dos amazonenses.

Todos esses benefícios, aliados à alta capacidade de adaptação a adversidades climáticas, fazem do ariá uma alternativa de alimento nos períodos de seca na Amazônia, uma vez que é quando acontece a colheita do tubérculo ocorre entre julho a setembro.

Inspirados pelo potencial do ariá e pelas memórias afetivas despertadas durante uma pesquisa que mergulhou na cultura alimentar em torno desse tubérculo, um grupo de pesquisadores indígenas e não indígenas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) está reunindo informações científicas e narrativas culturais para que o amazônida “redescubra” o ariá, resgatando sua importância científica, cultural e econômica.

Um dos objetivos do projeto “Diálogos científicos multiculturais sobre a sociobiodiversidade na Amazônia com potencial bioeconômico” é promover a ressignificação do ariá e estimular o consumo e a produção desse tubérculo amazônico.

A bióloga, Mestre em Microbiologia Agrícola e Doutora em Recursos Naturais, Noemia Ishikawa, que coordena o projeto, explica que a gastronomia pode ser o caminho para essa ressignificação, já que, além de altamente nutritivo e resistente às mudanças climáticas, o ariá é muito apreciado por seu sabor diferenciado e pelas opções de preparo, seja simples e prático ao nível doméstico ou em pratos sofisticados da alta gastronomia. “Isso vai permitir que as pessoas despertem ao potencial alimentício do ariá e seus benefícios, fomentando essa cadeia que começa nos pequenos produtores”.

A importância do ariá para a cultura alimentar amazônica foi reconhecida pelo Inpa, que escolheu uma exsicata (amostra de planta seca e prensada) do ariá, coletada pela bióloga Marly Castro Lima, como símbolo da coleta de número 300 mil, um marco na história do Herbário Inpa, que completou 70 anos em 2024.

O ariá (Goeppertia allouia (Aubl.) Borchs. & S. Suárez), é um tubérculo que lembra uma batata

Ao longo de milhares de centenas de gerações, as populações tradicionais manejaram, selecionaram e melhoraram as variedades de ariá. O banco de germoplasma da Estação Experimental de Hortaliças do Inpa guarda uma amostra dessa variabilidade. “É um backup, uma cópia de segurança que guardamos para tentar evitar o desaparecimento da espécie. É o que nos permite devolver o material para um grupo que deseja resgatar esse elemento da agrobiodiversidade, como é o caso do ariá”, explicou o diretor do Inpa, Henrique Pereira.

Segundo ele, a coleção de material genético do Inpa, aliada ao resgate do plantio de culturas tradicionais como o ariá, podem contribuir para o desenvolvimento de plantas mais adaptadas às mudanças climáticas. “Para adaptar uma planta para ser resistente a doenças ou temperaturas mais elevadas, a matéria prima é ter variabilidade genética. O problema é que o mercado e a agricultura moderna produzem uma redução de diversidade genética: nossa dieta é mais pobre do que já foi. Essas coleções são uma segurança de que essa diversidade não se perderá por completo”, explicou.

Potencial nutritivo e culinário

Assim como peixes, carnes, ovos, cogumelos e a tradicional mistura de arroz e feijão, o ariá está entre os alimentos que fornecem os nove aminoácidos essenciais para uma boa nutrição. O tubérculo é classificado como fonte vegetal de proteína de alto valor biológico, daí sua importância histórica para os povos amazônicos: contém de minerais como ferro, potássio, magnésio, zinco, sódio, cálcio, manganês e fósforo, até vitaminas como a tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2), niacina (vitamina B3) e ácido ascórbico (vitamina C).

Na culinária, o ariá é marcante por sua crocância e pela textura e, no cozimento do tubérculo, não há necessidade de acrescentar sal, sendo considerado um “sal vegetal” pelos povos do Alto Rio Negro. O ariá pode ser consumido assado, em mingaus, na fabricação de bebidas, como o caxiri, ou em seu formato mais comum que é cozido.

O biólogo Alexandre Tyson Ferreira de Souza é um dos pesquisadores do projeto e lidera uma iniciativa para reintroduzir o ariá na cultura alimentar de indígenas Sateré-Mawé da aldeia Nova União, na TI Andirá-Marau, no Amazonas.Crédito: Acervo pessoal

Para comunidades indígenas, é uma alternativa, também, aos alimentos industrializados e processados, que invadiram a rotina alimentar nas aldeias nos últimos anos. “A gente já vê uma grande mudança no perfil de saúde dos parentes. Hoje temos pessoas diabéticas, com hipertensão e outras doenças por causa da má alimentação. O resgate do cultivo de culturas como o ariá pode ser o pontapé inicial para a reconstrução de uma estrutura alimentar mais saudável”, afirmou o biólogo Alexandre Tyson Ferreira de Souza, um dos pesquisadores que integra o projeto, e que lidera uma iniciativa para reintroduzir o ariá na cultura alimentar de indígenas Sateré-Mawé da aldeia Nova União, na TI Andirá-Marau, no Amazonas.

Geração de renda: no mercado e nas comunidades tradicionais

No Alto Rio Negro, o pesquisador e indígena do povo Bará, Silvio Sanches, aposta do ariá também como fonte de renda: junto à sua mãe e demais familiares, está desenvolvendo o caxiri, uma bebida indígena fermentada (Crédito: Michael Dantas Divulgação)

Ressignificar a produção e o consumo desse tubérculo amazônico também é uma estratégia para incrementar a geração de renda das comunidades tradicionais durante a seca. No Alto Rio Negro, o ariá é uma das apostas de indígenas dos povos Bará, Tuyuka e Tukano para se tornar uma nova fonte de renda: eles estão desenvolvendo o caxiri (bebida indígena fermentada) de ariá. “Isso amplia as nossas possibilidades e nos permite agregar valor a um alimento que era só para subsistência. O projeto nos ajudou a enxergar essas oportunidades de negócios sustentáveis.”, disse Silvio Sanches Barreto, filósofo, mestre e doutor em Antropologia. Pesquisador e indígena do povo Bará, ele agora busca inserir o produto no mercado.

Estudante de 17 anos se inspira na avó para sugerir a pesquisa

A inspiração para o estudo sobre o ariá partiu do interesse do estudante Eli Minev-Benzecry sobre as memórias afetivas de sua avó, Nora, em torno do tubérculo. (Crédito: Michael Dantas Divulgação)

A ideia de ressignificar o ariá surgiu da curiosidade de um jovem de 17 anos e da memória afetiva da avó dele. Estudante do ensino médio, Eli Minev-Benzecry, propôs o tema após transformar, sob a orientação do professor Valdely Kinupp, do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), um campo de futebol em desuso em um Sistema Agroflorestal, tendo o ariá como uma das espécies cultivadas. “Essa ideia surgiu de um projeto que iniciamos no nosso sítio. Minha avó falou: ‘planta ariá, que eu gosto muito’. Eu nem sabia o que era, mas plantamos e eu fiquei curioso em saber mais sobre aquela ‘batatinha’, que era tão comum no passado, e hoje é tão difícil de encontrar. À medida que fomos pesquisando, as evidências arqueológicas, registros históricos e o valor nutricional revelaram um potencial enorme de um alimento para o qual as pessoas não dão muita atenção”, contou Eli, que pretende cursar Bioengenharia e Economia.

Um dos caminhos escolhidos para a popularização do ariá foi a elaboração de um livro de popularização da ciência com curiosidades, informações científicas e históricas e memórias afetivas em torno deste tubérculo amazônico, resgatando sua importância cultural. “O livro destaca a parte nutricional, a questão cultural e as tradições que envolvem o ariá, com a intenção de transformá-lo, novamente, em um alimento da mesa do dia a dia”, disse Eli, primeiro autor do livro. Com a participação do Silvio Bará, o livro traz conteúdos da região do Alto Rio Negro e será publicado em língua portuguesa e na língua Ye’pâ-masâ (Tukano).

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Rodrigo Rivera