Jararacas que abandonaram o chão e agora vivem em árvores

Todos os anos, na época das cheias, jararacas da espécie Bothrops atrox se concentram no alto das árvores — Foto: Divulgação

Um fenômeno que vem ocorrendo com cobras nas várzeas alagáveis da floresta amazônica, na região de Santarém, no Pará, está intrigando os cientistas. Todos os anos, na época das cheias, de fevereiro a julho, um número grande de jararacas da espécie Bothrops atrox se concentra no alto das árvores e em tufos de capim que ficam acima da linha d’água – às vezes, até três em uma única planta.

Além da concentração, também chamou a atenção dos cientistas o fato de que esses ofídios, que são terrícolas, ou seja, vivem no solo, estão passando por mudanças morfológicas para viver nas árvores. Ou seja, elas podem estar se transformando em outra espécie e, assim, se diferenciando das suas irmãs que vivem nas regiões de terra firme da floresta, que raramente alagam. É a evolução, descoberta por Charles Darwin, acontecendo a olhos vistos.

A densidade dos animais nas árvores é tão grande quanto a que até agora só era encontrada em ilhas isoladas, sem predadores, como a de Queimada Grande, conhecida como Ilha das Cobras, no litoral de São Paulo. O local se destaca por ter a segunda maior concentração desses répteis por área no mundo: cerca de 45 por hectare.

Segundo o pesquisador Rafael de Fraga, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), jararacas atrox são venenosas e responsáveis por mais de 90% das picadas em pessoas no norte do Brasil.

“Por isso, eles enxergam as cobras aglomeradas como um perigo em potencial. Ainda mais pelo fato de que existem sérias restrições logísticas para que os comunitários tenham acesso ao soro antiofídico e ao tratamento hospitalar adequado no caso de ataques.”

Para se livrar das cobras, os moradores partiram então para uma ação preventiva: todos os anos, durante a cheia dos rios, se organizam para caçá-las. Grupos saem em canoas capturando jararacas, com ajuda de alguns herpetólogos.

“Antes da participação desses profissionais, os comunitários matavam a maioria das que capturavam, mas atualmente eles doam grande parte para coleções científicas e criação em cativeiro para obtenção de veneno”, explica Fraga.

“Ele é necessário para produção de soro antiofídico, mas também faz parte de alguns medicamentos, como os usados para tratar pressão alta, por exemplo.”

Mudando o corpo

De um ponto de vista científico, a aglomeração sazonal de cobras sobre as árvores fez com que os cientistas levantassem a hipótese de que, se jararacas da região estão se tornando arborícolas durante as cheias, então elas devem ser morfologicamente diferentes das suas irmãs de terra firme. A questão foi estudada pela bióloga Ana Maria Coelho, durante sua dissertação de mestrado, apresentada na UFOPA.

Ela explica que, embora filhotes de jararacas tenham maior capacidade de subir e caçar em árvores que adultos, a espécie atrox é considerada como principalmente terrícola.

“Habilidade para escalar depende de uma série de características morfológicas, sem as quais alguns processos fisiológicos, principalmente aqueles dependentes da circulação sanguínea, entram em colapso devido à aceleração da força da gravidade”, diz Ana Maria.

Fraga lembra que cobras possuem corpo cilíndrico, que é bastante sensível à aceleração da força da gravidade durante movimentos de escalada. Além disso, quando elas estão em posição vertical para subir nas árvores, órgãos vitais como o cérebro podem deixar de receber irrigação sanguínea se o corpo for pouco adaptado.

“Para compensar esse problema, as arborícolas possuem caudas compridas, com vasos sanguíneos longos, e baixa relação entre massa e comprimento do corpo, o que significa que são esguias”, explica.

A principal hipótese dos cientistas para explicar as alterações morfológicas pelas quais as atrox estão passando está fundamentada na evolução biológica por seleção natural de Darwin.

Fonte: BBC News

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Rodrigo Rivera