Guerra do narcotráfico impulsiona assassinatos na tríplice fronteira da Amazônia

Por Náferson Cruz - Amazônia360

Camila Melo dos Santos, 16 anos, estava grávida de 8 meses, caminhava próximo a um supermercado no Centro da cidade de Tabatinga, a 1.105 km de Manaus, quando foi atingida por uma bala perdida durante o confronto entre os ‘soldados’ dos cartéis de drogas. O fato ocorreu no dia 24 de dezembro de 2020, por volta das 13h

A jovem não resistiu aos ferimentos, entretanto, o bebê foi salvo após uma cesariana de emergência. No mesmo dia, mais duas vítimas do tráfico foram assassinadas e dias antes outras três, totalizando cinco homicídios com características de execução em 72 horas.

No sangrento cenário de disputa entre as organizações criminosas em Tabatinga, na fronteira do Brasil com a Colômbia e Peru, o tráfico de drogas se tornou combustível inesgotável para o ciclo da violência. Crimes em plena luz do dia tem deixado a polícia perplexa e a sociedade mais ainda.

A cidade tenta superar o estigma de ser uma “terra sem lei”, mas o drama que expõe feridas sociais parecem nunca cicatrizar. Nos últimos dois anos foram 22 assassinatos, sendo a maioria ligado ao tráfico de drogas.

Membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Tabatinga, e da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliésio Marubo, disse a agência Amazônia360, que a violência no município vem crescendo de forma veemente nos últimos anos. Segundo ele, falta investimento na segurança e em projetos sociais estão deixando famílias vulneráveis. “É inadmissível o que está acontecendo em Tabatinga, são crimes em plena luz do dia, pessoas inocentes estão perdendo suas vidas”, lamentou o advogado indígena.

Um documento elaborado por representantes de conselhos, organizações, comunidades e associações será encaminhado ao Governo do Amazonas cobrando melhorias e investimentos em segurança para o município. Atualmente, a Polícia Militar conta com apenas uma viatura, sendo que esta foi cedida a Ronda Ostensiva Cândido Mariano (Rocam). Outras viatura estão paradas falta de reparos.

O município fronteiriço (Tabatinga) abriga uma população de 65 mil habitantes, mas por conta da proximidade com a cidade colombiana, Letícia, as duas juntas possuem 120 mil pessoas. Entretanto, a quantidade de pessoas que circulam na região pode duplicar, quando somadas as populações dos municípios vizinhos de Benjamin Constant, Atalaia do Norte, Santa Rosa e Caballo Cocho no Peru e as cidade colombianas, Puerto Narinho e Tarapacá.

Mazelas sociais

“A expansão da cultura do entorpecimento, a economia e a cultura das drogas é um fator indispensável para compreender os indicadores de violência e de criminalidade no tempo”, é o que diz o sociólogo Pontes Filho, doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Segundo o especialista, as drogas não se limitam ao aspecto químico. Yoko Ono teceu um lúcido comentário sobre o assunto:

“Droga é o segundo copo de água quando o primeiro matou a sede. De fato, tudo que excede o necessário acaba se convertendo em droga, em lixo, em luxo”.

Para o sociólogo, o consumismo não deixa de ser um tipo de veneno. Seus efeitos impactam todo o planeta. Mas não só o consumismo e os entorpecentes químicos agridem o meio ambiente e oferecem riscos à qualidade de vida, lançando pessoas e coletividades num processo autofágico de insegurança pública.

“A cultura do entorpecimento impacta danosamente a coexistência na família, na comunidade, no ambiente de trabalho e de lazer, nas instituições, todas sofrem os efeitos das drogas e da dependência aos vícios sejam eles quais forem”, completa Pontes Filho, professor e pesquisador de história da Amazônia e direitos socioculturais na região com livros publicados sobre esses temas, dentre os quais: “Logospirataria na Amazônia”, “História do Amazonas”, “Vicio e criminalidade”.

‘Quintal’ de facção criminosa

A cidade, onde a pobreza e a falta de infraestrutura são flagrantes, é descrita por moradores da região como “quintal da FDN”. A sigla se refere à facção criminosa Família do Norte, que ficou conhecida mundialmente nos primeiros dias de 2017, quando dezenas de homens foram decapitados e esquartejados em presídios de Manaus.

Entre outros motivos, as rebeliões vieram a público por serem parte de uma guerra entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país, com origem em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), principal facção atuante na região metropolitana do Rio de Janeiro. Aliada ao CV, a FDN esquartejou e decapitou vários integrantes do PCC detidos em presídios da região Norte.

Outro recorte, do site Sputnik, referia-se ao município amazonense como “terra sem lei”, e falava da influência do narcotráfico no cotidiano de Tabatinga, ostentando como imagem em destaque um tapume de metal o qual uma pixação da FDN clama a posse sobre o território anunciando “a fronteira é nossa”.

Rotas da droga

As cidades de Tabatinga, no Brasil, Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa do Javari, no Peru, que estão na situada Tríplice Fronteira, são os entrepostos de Cali e Medellin, na Colômbia, bases do tráfico de cocaína, chefiadas na década de 80 pelos irmãos Rodriguez Orejuela e Pablo Escobar, respectivamente.

Após passar pela fronteira, a droga desce os rios e chega a Coari e, posteriormente, a Manaus, bases de apoio para o escoamento do produto para o restante do País, Europa e África.

No final do mês de agosto, a Polícia Civil do Amazonas evidenciou parte dessa rota utilizada pelos narcotraficantes. A ação policial coordenada pelo Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) ocorreu em Manaus e nos municípios de Manaquiri, Japurá e Barreirinha, cidades banhadas pelos rios Solimões, Japurá e Paraná do Ramos, afluente do rio Amazonas, respectivamente.

As investigações, segundo o diretor da DRCO, Rafael Allemand, iniciaram em junho, quando chegou à informação de que Gilson Mattos Rodrigues, 41 anos, conhecido como ‘RDK’, trazia quantidade significativa de drogas do município de Japurá (a 744 quilômetros de Manaus) para a capital amazonense e, posteriormente, distribuía para outros Estados do País.

O duro golpe no crime organizado causou um prejuízo de aproximadamente R$ 100 milhões com a apreensão de 6 toneladas de skunk.

Extensa fronteira

A fronteira do Amazonas com o Peru e a Colômbia tem uma extensão de 3.209 quilômetros. A maior parte dos 1.600 quilômetros da divisa entre o Amazonas e a Colômbia é composta por floresta fechada entrecortada por rios e igarapés que se entrelaçam durante a temporada de chuvas.

Cerca de 70% das drogas que entram no Brasil pelo Amazonas utilizam o rio Solimões, por meio da Tríplice Fronteira. Um total de 245.047 pessoas habitam o território de 213.281,229 quilômetros quadrados de fronteira aberta entre Brasil, Colômbia e Peru.

O lucro com o tráfico

O lucro com o tráfico de drogas no Brasil chega a custar 4,5 bilhões de dólares. Na Europa, o montante atinge a quantia de 6,6 bilhões de dólares. Em todo o mundo, a exorbitante cifra de 320 milhões de dólares.

Em solo brasileiro, o quilo da cocaína pura chega a custar 9,8 mil dólares. A mesma quantidade quando chega à Europa sai por 104 mil dólares. Já a cocaína de segunda, já diluída, tem valor estimado em 1 mil dólares o quilo, enquanto que o quilo da pasta base de cocaína é estipulado em 1,6 mil dólares. A maconha tipo skunk na região da Tríplice Fronteira corresponde a 350 dólares o quilo, a mesma quantidade chega a custar 960 dólares em Manaus.

Os dados são das polícias Federal, Civil e Militar, Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP/AM), Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA).

 

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Rodrigo Rivera